Privação e delinquência – Winnicott

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Uma amiga me pediu para falar sobre o problema de seu filho, o mais velho de uma família com quatro crianças. Ela não poderia trazer John ao consultório de forma aberta por causa de seu marido, que se opõe à psicologia por motivos religiosos. Tudo que ela poderia fazer era ter uma conversa comigo sobre a compulsão por roubar do menino, que estava se tornando algo bem sério; ele estava cometendo grandes furtos, tanto em casa como em lojas. Não havia outra forma por motivos práticos de arranjar outro encontro, que não um rápido almoço em um restaurante, durante o qual ela me falou sobre o problema e pediu conselho. Não havia outra possibilidade de ajudá-la a não ser naquele momento, naquele local. Então expliquei o significado do furto e sugeri que ela encontrasse um momento ideal dentro da convivência entre os dois e fizesse uma interpretação para ele. Aparentemente, ela e John tinham um momento propício todas as noites antes dele ir dormir; normalmente durante esse tempo, ele falava sobre as estrelas e a lua. Esse seria o momento ideal.
Eu disse: “Porque não dizer a ele que você sabe que todas as vezes que ele furta algo, na verdade ele não quer aqueles objetos, mas está buscando algo ao qual ele tem direito; algo que ele está reivindicando dos pais porque sente estar sendo privado: amor.” Completei dizerendo que ela deveria usar uma linguagem que fosse fácil dele entender. Posso dizer que eu sabia o suficiente sobre essa família,em que ambos pais são músicos, para entender como esse garoto se tornou, de uma certa forma, uma criança carente, apesar de ter um bom lar.
Algum tempo depois, recebi uma carta contando que ela havia feito o que sugeri. Ela escreveu: “Eu disse que o que ele realmente queria quando roubava comida e dinheiro e outras coisas, era a mamãe; e tenho que dizer que não esperava que ele pudesse entender, mas parece que ele entendeu. Perguntei se ele achava que nós não o amávamos, porque às vezes ele se comportava mal, e ele respondeu logo que acreditava que não. Pobrezinho! Senti-me tão mal, não tenho como descrever. Então eu disse a ele para nunca, nunca duvidar novamente e se ele se sentir em dúvida novamente, que deveria me lembrar de dizer novamente. Mas claro, eu não vou precisar ser lembrada por um bom tempo, foi um grande choque. Parece que precisamos desses choques. Então estou demonstrando bastante meu amor por ele, para que ele não volte a duvidar. E desde então, não aconteceram mais furtos”.
A mãe entrou em contato com a professora e explicou que o garoto estava precisando de amor e se sentir valorizado, e conseguiu com que ela cooperasse, apesar do garoto dar bastante trabalho na escola. Agora, depois de oito meses, é possível relatar que não houve retorno aos furtos, e o relacionamento entre o garoto e sua família melhorou bastante.
Ao considerar esse caso é preciso lembrar que conheci a mãe muito bem durante a adolescência e até certo ponto, testemunhei uma fase antisocial dela. Ela era a mais velha de uma família grande. Ela tinha um bom lar, mas o pai era bastante autoritário, especialmente quando ela era uma criança pequena. O que eu fiz, de fato, teve o efeito de uma terapia dupla, dando a possibilidade dessa mulher de analisar suas próprias dificuldades por meio da ajuda que ela foi capaz de dar para o filho. Quando somos capazes de ajudar os pais a ajudarem aos filhos, o que fazemos na verdade é ajudá-los a eles mesmos.
Tradução livre: Jan Andrade Trecho do livro “Deprivation and Delinquency: D.W. Winnicott” Páginas 121-122

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